Tenho trabalhado na área da Cultura há trinta anos e sendo assim, passei por muitas histórias, muitos lugares e muitas culturas.
Nós brasileiros gostamos de entender como cultura, a cultura do outro, nunca a nossa.
Ontem passando o olhar descuidado nas inumeráveis publicações na página do facebook, me ocorreu a ideia de que são postadas muitas coisas sobre artistas europeus, mais precisamente os pintores e compositores.
Com exceção da página da Pinacoteca do Estado, quase não vemos publicações sobre os pintores, os escultores e compositores nacionais.
Pensando nas cidades do interior brasileiro e, podemos incluir Santa Branca nesse conjunto, vemos que há grande dificuldade e até mesmo falta de empenho em perceber o valor das pessoas que contribuem para que a identidade de uma cidade seja estabelecida.
Recentemente estive ali dando uma palestra para um interessante público de quase 60 pessoas. Mencionei as lembranças que guardava dentro da memória da alma, dentre elas as festas, as quermesses, as conversas e os doces que ali eram feitos.
Naquela cidade viveram e ainda vivem muitas senhoras que produziam doces de excelente qualidade. Goiabada cascão, laranja em calda, laranja de cortar, pamonhas, paçocas, biscoitinhos de nata, roscas de dar água na boca.
Essas senhoras, ao mexerem seus tachos de cobre, ao descascar minuciosamente as laranjas e goiabas, ao torrar o amendoim e socá-lo a exaustão, estavam fazendo e preservando uma cultura antiga, herança de mães, tias, avós e madrinhas.
Mas, nem sempre essas riquezas foram anotadas e pesquisadas, ou até mesmo respeitadas como cultura. Existe naquela paciência culinária uma sabedoria do tempo, um jeito de fazer que distingue o sabor de uma goiabada da outra, embora todas sempre saborosas.
Ah, como falta esse respeito e essa homenagem e a essas pessoas que tornam a vida menos amarga com seus doces de cortar, sempre perfeitinhos, retangulares e embalados graciosamente em papel impermeável branco. Abrir aqueles “tijolos” de doce era como desembrulhar um presente precioso.
Aqui vai um recado para todas as cidades do interior que ainda possuem suas doceiras: Cuidem delas! Façam suas homenagens, pois enquanto vivas, elas ainda nos presenteiam com seus sabores e saberes. Comprem os produtos com respeito e, o comer um pedaço desse doce, saibam que ali está um traço da cultura Brasileira, um saber que veio de longe. Longe no tempo, na tradição oral, no jeito de contribuir com a história: uma história que fica registrada na memória do paladar!
Em cada cidade do interior há sempre uma Carmem Rita, uma Dona Cidica, uma Maria Meleiro, uma Isabel Fartura, uma Irene Tramonti, Dona Maria Teles, Dita Pamonheira e muitas outras que ainda preservam esse traço que nos faz brasileiros do interior.
Nessa primeira fala, fica aqui minha homenagem a todas as doceiras que contribuíram para que nossas infâncias e amarguras se tornassem mais suaves!
Viva à Cultura Brasileira!