Sexta feira quando a tarde caia era fácil notar a chegada dos cavalos conduzindo seus donos, vinham lá pelas bandas do Serrote, Vargem Grande, Caetê, Cachoeira Grande e outros tantos bairros da zona rural. Os cavalos iam sendo colocados à margem da calçada, todos ofegantes pela distância percorrida. Eles tinham as selas afrouxadas permitindo um descanso por algumas horas até a hora do retorno.
Os fregueses chegavam e já desamarravam os “picuás” e “embornais” para serem cheios de gêneros alimentícios destinados à alimentação da família.
Ainda soam aos meus ouvidos o vozerio desse povo: - Boa tarde compadre, como vai voismicê? E a família? Tudo bem? - Que bom lá em casa também esta tudo na paz. – Vamos moiá a goela compadre? – Claro tô precisando tira a poeira da garganta. - Oi seu Laurentino bota duas marvadas (pingas) pra nóis, anota aí que depois acerto tudo junto.
O armazém do meu pai tinha um balcão grande de madeira onde os fregueses faziam as compras, um menor coberto com pedra de granito e, uma pia anexa, além da balança do armazém. Neste pequeno espaço rodavam as cachaças, conhaques, vinhos e companhia, regados ao bom cigarro de palha, além da cusparada pelo chão. Dali a pouco se aproximava um carro de boi num ritmo bem calmo. A junta de bois era conduzida pelo carreiro Altino Rodrigues, na ponta do carro vinha sentado o grande amigo “Zé Pires de Albuquerque”, fabricante da famosa cachaça que por sinal levava o seu nome: Caninha Zé Pires. No caso do meu pai, ele preferia comprar por atacado, ou seja, toda sexta feira o Zé Pires trazia um quinto de pinga (nome dado a um barril de madeira contendo 200 litros). Era a conta de uma semana, ou às vezes até menos o barril já estava vazio. À pedido do meu pai, eu corria até a padaria do Quirino para telefonar ao Zé Pires para antecipar a entrega.
Quando chegava o barril de pinga, eu e meus irmãos sabíamos que tinha trabalho à vista. Meu pai abria a tampa e lá colocava uma grande torneira de madeira, depois ajeitava a barrica em pé. Nosso serviço era lavar os litros vazios e enchê-los de cachaça, um após outro, facilitando a venda para os fregueses da roça que deixavam os vazios e levavam outro lotado da boa pinga. Lembro muito bem da calma e paciência do Zé Pires até chegar a vez de efetuar a compra, ele ficava sentado num dos caixotes de madeira trocando prosa com a caboclada que aquela altura já estavam bem alegrinhos depois de ingerir algumas doses da famosa cachaça.
Chegada à vez: compra feita. O mestre Altino fazia uma manobra com os bois, ajeitava a compra para o patrão. O Zé Pires despedia da rapaziada subia no cabeçalho do carro e iam descendo calmamente a Rua do Pito com destino a sua chácara que ficava as margens do Ribeirão dos Barretos, divisa com a fabrica de Fogos Caramuru.
O município tinha como principal economia a pecuária leiteira e muitos sitiantes que cuidavam da lavoura e os famosos alambiques artesanais. Nessa época a população rural ultrapassava a da zona urbana. A força da economia gerava muito emprego na roça, já na cidade nós tínhamos a Cooperativa de Laticínios na Praça Rui Barbosa, a Usina de Leite Vigor e a Fábrica de Papelão Irmãos D’Amico, ambas na Rua Brigadeiro Aguiar e a Fábrica de Fogos Caramuru do empresário Biaginno Chieff. Todas essas empresas absorviam uma média de duzentas pessoas, quanto as atividade rural geravam alguns milhares de empregos.
Da zona rural chegavam o leite, rapaduras, cereais, frutas além é óbvio as famosas cachaças artesanais. Somando ao alambique do Zé Pires, o município contava com a “Pinga Tomando Cai”, fabricada por Ovidio Porto, Cachaça Ourives do Eduardo Faria, Sapuvinha do Moacir Meleiro, Cachaça do Manoel Luiz de Souza, Cachaça do Zé de Campos, Candeinha do Arthur Porto, Cachaça do Sebastião Porto e muitas outras artesanais que predominaram por longo tempo. Grande parte da produção era enviada a outros centros consumidores, principalmente para a capital paulista.
Época de ouro da nossa gente santabranquense!